sábado, 10 de julho de 2010

Meu amigo imaginário.

Eu não lembro direito quando ele apareceu em minha vida. Lembro apenas que quando eu era criança, esse menino ficava me olhando brincar de longe, era bem mais tímido do que eu e sempre sorria com as bobagens que eu dizia. Quando eu levava bronca ele corria para se esconder embaixo da cama ou - inexplicavelmente - atrás da geladeira (nunca me contou como fazia isso). Ele fugia das broncas maternas por que: primeiro, não tinha nada com isso, e depois, se assustava fácil com o mundo que para ele ainda era muito confuso. E eu me metia a dizer como eram as coisas por aqui, achando que sabia alguma coisa sobre as coisas que aconteciam. Ráh.
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Na minha época de transição, auge da adolescência, ele se encheu um pouco de mim e sumiu por uns tempos. Voltava para dar sua opinião só quando dava na telha. Parecia acompanhar minha vida de algum telão de última geração, por que se metia até com meu olhar perdido que poucos notavam. Quando vivi minhas primeiras decepções, ou fui pisada sem motivo, ou odiada sem razão, ele avisou que seria assim pra sempre. "Todo mundo tem amigos, inimigos, vazios, encontros, dias, noites, lua e sol... algumas coisas são comuns aos seres humanos. Acostume-se com a vida mesmo quando ela não for só sorrisos. Ou você acha que quem não gosta de você é adorado por todos?". Ele me disse isso certa noite, encostado na varanda do meu quarto enquanto eu chorava, e me fez engolir as lágrimas inteiras sem mastigar.
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Naquele dia reparei como ele havia crescido. Não era mais um amigo imaginário criança, era um amigo imaginário rapaz. Bonito, diga-se de passagem. Mas sempre prometi a mim mesma que não me apaixonaria por ele. E isso nunca aconteceu mesmo. Depois daquele dia nossa conexão passou a ser mais rápida, bastava eu pensar em alguma coisa e meu amigo aparecia. Muitos momentos de solidão foram amenizados com sua presença silenciosa ao meu lado.
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Hoje me pergunto quem é na verdade esse homem. Sim, porque quando me tornei mulher, ele envelheceu comigo. Hoje meus pensamentos - ditos 'adultos' - recebem sempre um comentário de alguém ainda mais maduro - ele. Meu amigo imaginário é muito mais esperto e sereno do que eu, compreende o mundo, entende as regras que eu ainda questiono e responde as questões que eu ainda pergunto.
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Pois ontem, alta madrugada, depois de tanto tempo perdido, ele apareceu. Eu estava escrevendo um pouco, pensamento ao longe, tentando entender palavras que foram ditas por uma pessoa que pensa saber dos meus pensamentos. Ele sorriu pra mim. Disse gostar de me ver escrever. Ficou me olhando por alguns minutos. E de repente me bateu uma tristeza, um sentimento de despedida, como se aquele encontro fosse nosso último. Perguntei se ele estava indo embora de mim. Com aquele jeito doce, humano, sábio, me encarou, e me fez ver dentro dele uma moça correndo por um gramado verde, numa casa enorme, com uma varanda linda, cheia de livros e com um cheiro bom no ar. Ele disse que aquela moça era eu e aque aquela casa seria minha. Ele continuou sentado, falou coisas que não entendi e disse que jamais iria embora de mim, apenas estava voltando a si e me deixando só, porque eu não precisaria mais dele... Disse ele que eu estaria forte e feliz o suficiente para não precisar de ajuda nenhuma. Ele me deu um beijo no rosto, sorriu e disse: por enquanto ainda estou aqui, depois vou ficar de longe, assistindo você.
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Acordei uma hora depois, na minha cama, com um diário antigo nas mãos... Algumas coisas na vida a gente não entende, não questiona, vive e pronto.
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"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento..."
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(Clarice Lispector)

1 comentário:

Laurinha disse...

Ai que fofo esse texto, gostoso de ler! :) Tb tinha um amigo imaginário, mas eu matei o meu qnd cresci! rsrs

Beijos, Mille.